Paradoxo

     Eu estava andando pela cidade de Campinas, bem no centro. A rua ou o bairro são coisas das quais nunca fui bom em recordar. Parei em uma banca de jornais e comprei uma garrafinha de água para saciar minha sede. Eu estava me sentindo um tanto aflito. Me dirigi a uma praça que ficava logo em frente à banca.
     Como uma atividade diária, eu sempre gostei de andar pela cidade durante minhas tardes e questionar tudo ao meu redor. Para isso, eu busco algum lugar calmo e silencioso, e começo com minhas indagações. A praça me pareceu o local perfeito. Foi exatamente em uma dessas minhas “tardes filosóficas” que me deparei com uma incrível reflexão, causada por uma fonte que eu nunca imaginaria: uma garotinha, provavelmente com seus quatro anos de idade.
     Enquanto eu estava acomodado em meu lugar, uma moça de seus trinta ou quarenta anos, loira e alta, carregando a garotinha no colo, se sentou no banco logo atrás do meu. Não demorou muito para as duas começarem a conversar. A menina, que parecia ser filha da moça, começou seu interrogatório – um daqueles típicos de crianças da idade:
     - Mamãe, por que o tempo fica quente?
     - Minha filha, o tempo fica quente por causa do Sol. – Replicou a mãe.
     - Mas é inverno mamãe…
     - Eu sei querida. Mas nós estamos sofrendo um aquecimento global no mundo.
     - O que é aquecimento global mamãe?
     A mãe hesitou um pouco antes de responder. Talvez estivesse pensando em como explicar isso para uma criança, sem parecer algo muito complicado.
     - O aquecimento global é causado por gases que prendem o calor na Terra. Entendeu querida?
     - Como o pum?
     A moça riu por um tempo e disse:
     - Sim querida… Como o pum.
     A conversa obviamente não era a mais científica ou a mais intelectual que já presenciei ou ouvi. Mas certamente, ao ouvir as duas conversando, não pude deixar de lembrar de minha infância. 
     Eu não era o maior gênio da Terra, questionando tudo e me preocupando com dilemas complexos da vida. Mas eu tinha as minhas dúvidas. Lembro que, na idade da garotinha, sempre perguntava o que era isso ou aquilo, o porquê disso ou o porquê daquilo etc. Ao longo de minha vida, tal “espírito filosófico” de criança que eu tinha foi se esvaindo. 
     Durante os meus tempos de adolescente, passei a me preocupar mais com a “coisa” em si, do que com o porquê da “coisa”. E assim, esse meu “espírito filosófico” foi indo embora. Ao chegar na fase adulta, ele basicamente desapareceu, sendo substituído pelas responsabilidades de me sustentar, sobreviver, trabalhar etc.
     Esse “espírito filosófico” só voltou à tona quando cheguei na aposentadoria.
   As dúvidas da garota abriram os meus olhos para o quanto nós deixamos de perceber por não questionar. Por exemplo, eu duvido que, ao escolher uma peça de roupa no armário, alguém se questione sobre quem, ou o que, fez aquela peça, ou mesmo de que ela é feita e como esse material foi produzido para estar nela. Isso não acontece porque, momentaneamente, isso não importa.
     Essa mania de escolher o que é ou não importante acaba fazendo com que nós não pensemos duas vezes antes de jogar lixo na rua, dirigir um carro ao invés de andar de bicicleta etc. 
   Eu me lembro de quando estava na idade da moça que conversava com a garotinha. Sempre que eu estava saindo para o trabalho, pegava uma blusa, que era apenas uma blusa, uma cueca, que era apenas uma cueca, uma calça, que era apenas uma calça, e punha o meu sapato, que era apenas um sapato. Não me vinha à cabeça o questionamento que toda criança tem: o que é, por que é e como é? Eu nunca parava para refletir que aquelas minhas peças de roupa geravam uma poluição muito intensa. Só para produzir aquele material, já eram litros e litros de inseticidas que se despejavam nos rios, além das florestas que eram cortadas para dar lugar às fazendas que plantam o material que faz tal peça.
     A mesma coisa ocorria quando eu ia almoçar. Era inimaginável que eu começasse a pensar em como o simples filé que eu comia, fazia uma reação em cadeia para que eu pudesse comê-lo. Aquele filé era de um boi, o qual era pertencente a uma fazenda, a qual foi construída em cima de uma floresta, a qual foi desmatada para dar lugar ao pasto, o qual contém vários outros gados, os quais contribuem para o aquecimento global com seus “puns”.
     Logo após terminar essa minha reflexão, vi a mulher se levantando do banco e indo embora. Ela levava consigo a garotinha, que havia com a simples pergunta “Como o pum? ”, me feito indagar sobre uma vida, sobre a sociedade e sua relação com o meio ambiente.
     Eu cheguei à conclusão de que seria necessário que todos tivessem esta mesma reflexão que eu tive para não cometerem seus erros novamente. Reatar-se com seus “espíritos filosóficos”.
     Assim como todos os dias, chegou a hora de eu me levantar daquele banco, sair daquela praça e ir para minha casa. Eu então me levantei e me espreguicei. Olhei ao redor e não achei um cesto de lixo por perto. Acabei jogando a garrafinha que eu segurava no chão. Ainda estava meio aflito, e soltei um pum para me aliviar. Tomei meu rumo e fui embora para minha casa, feliz por aquela tarde reflexiva.


- Thiago Julio

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