Leito de Folhas Verdes - Gonçalves Dias (breve análise)
Proposta de análise de texto romântico realizada para fins acadêmicos.
GONÇALVES DIAS - LEITO DE FOLHAS VERDES
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d'alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
Vocabulário:
Tapiz: extensão de terreno coberta de flores, relva etc.
Tamarindo: é um gênero botânico, pertencente à família Fabaceae. É um gênero monotípico, tendo apenas uma espécie.
Bogari: arbusto escandente das oleáceas, nativo da Índia, de flores brancas, dobradas, muito perfumadas, e bagas pretas; bogarizeiro.
Arasóia: (Araçoia): Cinto de penas ou espécie de saia, composta por penas, e usada por mulheres indígenas nativas do Brasil.
Tupã: na mitologia dos indígenas de língua tupi, o trovão, cultuado como divindade suprema.
Introdução:
GONÇALVES DIAS - LEITO DE FOLHAS VERDES
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d'alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
Vocabulário:
Tapiz: extensão de terreno coberta de flores, relva etc.
Tamarindo: é um gênero botânico, pertencente à família Fabaceae. É um gênero monotípico, tendo apenas uma espécie.
Bogari: arbusto escandente das oleáceas, nativo da Índia, de flores brancas, dobradas, muito perfumadas, e bagas pretas; bogarizeiro.
Arasóia: (Araçoia): Cinto de penas ou espécie de saia, composta por penas, e usada por mulheres indígenas nativas do Brasil.
Tupã: na mitologia dos indígenas de língua tupi, o trovão, cultuado como divindade suprema.
Introdução:
Gonçalves Dias é o maior poeta da primeira geração do Romantismo Brasileiro. A lírica amorosa que ele traz é marcada pela impossibilidade da realização do amor. A "lírica do amor interrompido" ecoa os sofrimentos vividos pelo poeta já que foi impedido de casar com seu amor Ana Amélia, assim, tal tema é levantado na maioria de suas poesias, assim como em “Leito de Folhas Verdes”.
Na primeira estrofe, o eu-lírico (feminino) anseia pela volta de seu amado, Jatir, e questiona o motivo de sua demora. Os elementos da natureza contribuem para o desespero pela falta do amado. O leito do amor é feito de folhas brandas sobre a copa da mangueira. A natureza, agora, traz a delicadeza e felicidade do esperado encontro amoroso, como o mimoso tapiz de folhas brandas; o frouxo luar brinca entre flores; solta o bogari mais doce aroma. Quanto mais a demora da realização do encontro, maior a angústia do eu-lírico: “Eu sou aquela flor que espero ainda / Doce raio do sol que me dê vida. Ela é a flor que depende dos raios de sol (a presença do amado) para viver”, a dependência do amado que não chega.
A 6ª estrofe demonstra a idealização do amor, que vence todos os empecilhos; na estrofe seguinte é idealizada a figura feminina que devota total fidelidade ao seu amado. E por fim, na última estrofe, tem-se a desilusão do eu-lírico. Com a chegada da manhã, a expectativa se vai e dá lugar à decepção e à dor, pois Jatir não responde ao chamado amoroso, então pede que a brisa da manhã leve as folhas do leito, agora inútil. O sentimentalismo, a natureza expressiva, a idealização da figura feminina, a idealização amorosa, o medievalismo e o nacionalismo de matiz indianista, elementos que compõem a tradição romântica, se fazem muito presentes no poema. O ritmo dos versos propõe uma expressão de sentimento pessoal, saudade, esperança, dor, que submergem a espera do amado.
Análise:
O leito, modificado pelo adjunto adnominal “de folhas verdes”, referenciaria um lugar de regeneração pelo sono e também pelo amor, transformado pelo eu-lírico em espaço de espera, de refúgio do ser, e de sonhar. O verde também traz a ideia de um lugar do despertar da vida e da esperança em meio a natureza que também é verde. O fato do eu-lírico ser feminino é outra ligação, em muitas culturas a cor verde é essencialmente feminina ou a completude entre homem e mulher. O verde qualifica, muitas vezes, as florestas, a água e o chão, o que também mostra seu caráter feminino e sua neutralidade.
Na primeira estrofe, detecta-se a tensão amorosa marcada pela interrogativa que inicia o verso e pelas expressões “que tanto a custo” e “voz do meu amor”. A viração e o vento são símbolos de mudança. Nessa estrofe, o eu-lírico mostra o lado noturno, pois, além da “viração da noite”, que é doce porque rumoreja e suscita a busca de intimidade, há a presença do bosque que opõe-se ao espaço elevado que é característico do dia, como colinas e montanhas. Os elementos da natureza montam a imagem da mulher apaixonada e a ligação do sentimento com um cenário harmonioso da natureza.
Na segunda estrofe, o fato da mulher estar deitada debaixo da árvore e em contato com a terra, iluminada pela lua, pode ser um símbolo da reprodução e fecundação, já que árvore pode representar fecundação, fertilidade. Portanto há uma aspiração à maternidade tendo todas as imagens o sentido da expectativa do amor. Mesmo ela estando ansiosa e tensa, continua esperançosa para encontrar seu amor no leito nupcial que preparou com mimoso tapiz de folhas brandas e o frouxo luar brinca entre flores. Tais elementos mostram a interação do eu-lírico com a natureza e mostra a harmonia do lugar.
Na terceira estrofe ocorrem as imagens da flor que se abriu e do bogari que solta o mais doce aroma. A flor tem o simbolismo da infância e do paraíso e como ela se abre, desabrocha, representa que o eu-lírico desabrochou para o amor e isso tem um aroma doce e agradável, pois o amor que floresceu dentro da alma foi doce a puro e aprovado por toda natureza ao redor. Esse reconhecimento do amor é visto na quarta estrofe como mágico, mas natural, brilhante, mas distante alegórico, mas vivido em supremacia, pois é melhor que a vida.
No último verso, o eu-lírico se reconhece como uma flor que depende do raio de sol (símbolo masculino, do dia, da vida) para que tenha vida e como ele não chega, a expectativa é quebrada e ela, sendo flor, logo morrerá, pois permanece em escuridão. Confirma-se o amor idealizado, mas não o fim da esperança, pois Tupã (deus masculino) mesmo que sacuda as folhas elas continuarão a existir.
O sentido do amor é construído no poema por várias imagens que se articulam formando uma dicotomia no poema entre feminino e masculino usando o espaço, o tempo e as imagens para que isso aconteça.
Há presença de assonâncias, aliterações e coliterações em todo o texto, como se o poeta pretendesse sugerir os sentidos imaginados para o poema. Sirva de exemplo, nas estrofes um e dois os casos de assonância, com destaque para as vogais posteriores em articulação por arredondamento progressivo (a, e, o, u), modificada por fonemas oclusivos /t/, /d/, /k/ e pela combinação entre as consoantes sonoras fricativas e as oclusivas nasais, representadas por [v], [z], [3] e [m]. Signos impressivos que podem ser decodificados como expressão das associações subjetivas que imprimem ao texto os sentidos advindos da aproximação e entrelace de tons explosivos e tons melancólicos: /tardas/ /tanto/ /custo/ /copa/ /meu/ /amor/ /moves/ /movendo/ /rumoreja/ Na segunda estrofe, são exemplos também algumas coliterações que valem a pena demarcar: a combinação de bilabiais no primeiro verso, alveolares no segundo, bilabiais e alveolares no terceiro e a rede de alveolares em frouxo-brinca-entreflores, no verso final. O primeiro verso, iniciado por uma notação emotiva (Eu), ganha força e tom explosivo pelo acúmulo das oclusões /b/, /k/, /p/, /g/, silenciando-se ao final pela combinação dos fonemas /ã/, /e/, /i/ de timbre mínimo.
No verso seguinte, dadas as sugestões leves e sibilares, mantém-se a mesma atmosfera ondulante, cuja alteração é preparada modularmente pelas variações de altura e intensidade na emissão dos sons do terceiro verso, como indica a combinação cruzada das homorgânicas /p/ e /b/ em cobri / tapiz (v.2 e 3), associada às alveolares /s/ e /z/ e à rima interna preciosa formada pela assonância /i/ e pela aliteração /z/, em cobri(zelosa e tapiz, até atingir o ritmo quebradiço (do quarto verso) sintetizado na combinação de labiodentais e alveolares em f rouxo / f lores, apontando para outra espécie de modulação ou tensão, agora pela confluência dos planos fônico e semântico.
O valor interjetivo apontado estrutura-se simultaneamente pela anteposição sintática da circunstância emotiva em forma de pergunta (Por que tardas?) como modo de ressaltar a subjetividade e pela composição sonora da palavra tardas, formada pela duplicação do fonema sonoro de tom maior [a], aliado às duas oclusivas e uma fricativa sibilante. Essas consoantes [t], [d], [s] do primeiro verso abrem uma série de aliterações e sibilâncias que se espalham por todo o texto, sugerindo, de um lado, um bloqueio ou travamento, e de outro, a fluidez como formas de exprimir o conflito entre a permanência do desejo e o desalento da dúvida.
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