O que ninguém te fala sobre animais de estimação

     Faz dois dias que minha cachorrinha faleceu. Ela estava internada por um ferimento grave e não resistiu. Foram 15 anos ao lado dela. Eu tenho 19 anos então desde que eu me conheço por gente, ela estava lá. Minha parceira, confidente, amiga, que viveu do meu lado, me amando em meio todas as crises, por 15 anos. 
     Lembro-me até hoje do dia em que ela chegou... tão pequena, tão branquinha, quietinha, com os olhinhos demonstrando o carinho que ela podia dar. Minha madrinha veio trazê-la aqui em casa. Ela pegou a cachorrinha na mão e antes de me entregar, me deu três opções de nomes e eu teria que escolher um. Não me lembro dos nomes então vou considerar como opção a; b; e c. Eu pensei por uns dois segundos antes de responder, mas a palavra saiu tão naturalmente que era como se eu já soubesse o nome dela antes mesmo de saber falar. “D”, eu escolhi. A opção d, que na verdade não fazia parte das opções, era Susi. Minha madrinha perguntou: “Mas Susi? Tem certeza?”. Não sabia por que eu tinha escolhido esse nome, mas eu sabia que não podia ser outro, então balancei a cabeça com um “sim”. 
     Susi era simplesmente a melhor cachorra desse mundo. Eu sei que todos falam isso e ninguém está errado, pois cada um considera o seu próprio mundo. Bom... ela era a melhor bola de pelo animada do meu mundo. E não tinha, não tem, e nem terá, algo que substitua aquela banguelinha na minha vida. 
     Conforme a idade chegou, eu sabia que uma hora ela iria me deixar, mas é claro que a gente nunca acorda sabendo disso. Foi um espanto, uma dor, muito forte. Dizem que cachorros do porte dela geralmente vivem até os 15 anos. Quando ela fez 15, meu coração apertou. Ela tinha começado a fazer xixi em todo canto e dizem também que quando um cachorro está prestes a morrer, ele começa a fazer isso. Todos os dias ela dormia um pouco no meu quarto e eu ficava checando de tempos em tempos se ela estava realmente respirando. Eu já vinha tentando me preparar para esse dia. Eu sabia que estava chegando, porque ela sabia. Ela sabia disso. 
     Nos últimos dias de vida dela, ela provou a todos o quão guerreira ela é. Chorou um pouco no começo, mas depois sofreu calada. Lutou pela sua vida quietinha, sem alarme, com aqueles olhos de amor. No dia em que ela morreu, fomos visita-la. Ela estava mais fraca e gelada do que no dia anterior. Sua respiração era penosa e difícil. Como eu disse, ela sabia que ela estava morrendo. E eu sabia porque todas as vezes que eu colocava ela no meu colo e conversava com ela sobre ela não me deixar, ela virava a carinha. Dessa vez eu não precisei abrir a boca, mas quando eu coloquei a mão na cabecinha dela, ela virou fez a mesma coisa; virou o rosto e desviou o olhar.
     Ela relutou por uns momentos contra meu carinho. Conforme íamos conversando com os veterinários, não desisti, e então, se entregando, ela deixou que a acariciasse e dava a patinha da frente para eu segurar. Sua dificuldade para respirar agora era ainda maior. Fiquei ali conversando com ela, acariciando sua cabecinha, segurando sua patinha. Ela olhava para mim, e então mergulhava a cabeça de baixo da minha mão de novo para que eu não parasse o carinho. 
     Precisávamos voltar, então deixamos a cirurgia autorizada, nos despedimos, e quando eu tirei as mãos dela, ela colocou duas vezes a patinha para frente, como que diz “Fique aqui”. Aquela cena ficará cravada pra sempre na minha memória, mas tive que me afastar, e me contentar observando seus olhinhos suplicantes até perder de vista. 
     No mesmo dia, pouco tempo depois de termos chegado em casa, a clínica ligou. Minha mãe atendeu e quando a ouvi falando “o Marcelo está no chuveiro, mas pode falar”, eu soube. Obviamente não quis acreditar. Saí do meu quarto e fiquei na porta. Minha mãe estava na porta do quarto dela. Meu pai saíra do chuveiro e pegara o telefone. Olhei para minha mãe e ela disse começando a chorar: “A Susi morreu”. 
     Entrei no meu quarto em estado de choque. As lágrimas demoraram a chegar. Fiquei observando meu abajur por um tempo. Depois olhei para o chão, onde estava o tapetinho que ela vinha dormir, então a realidade atingiu e as lágrimas finalmente rolaram pelo meu rosto. 
     Lembrei-me de que eles provavelmente iam esperar irmos busca-la. Engoli meu choro e fui falar com meu pai para irmos até lá. Sair do quarto e ver a família inteira chorando foi outra coisa que quebrou mais um pouco de mim. Minha mãe não queria trazê-la, mas eu precisava. Não podia deixa-la lá, sozinha, para ser estudada. Ela merecia um enterro pelas pessoas que ela mais amava e que a amam. 
     Entrei no meu quarto, peguei uma caixa, fui até sua casinha e peguei duas de suas cobertinhas e forrei o fundo. Voltei para o quarto e com uma caneta rosa escrevi “Susi <3” na caixinha e estava pronta para ir busca-la. No carro, as lágrimas saiam sem esforço. Quando chegamos, a veterinária pegou a caixa e minutos depois, a trouxe com o corpinho da minha branquela coberto com um paninho por cima. Sentei-me e descobri a parte onde estava seu rosto. Quando vi que realmente era minha Susi ali, sem vida, gelada, não consegui me conter de dor. 
     A veterinária disse que estava com ela quando tudo aconteceu. “Bom” pensei, “ninguém deve morrer sozinho, especialmente minha neném”, mas ao mesmo tempo não conseguia me perdoar por não ter sido eu a pessoa a estar do seu lado. Por não ter atendido seu pedido de “fique”, por não ter aceitado seu olhar de despedida. Eu acariciava seu corpinho gelado na esperança dele voltar a vida, de ter sido apenas um engano, mas não. O enterro foi simples e rápido. Não foi nem de longe o que ela merecia, mas demos o nosso melhor.
     Existem três tipos de fala comuns quando você diz que quer um animal de estimação. O primeiro tipo: “Ai, que lindo! Você vai amar”. O segundo tipo: “Nossa, para! Dão muito trabalho”. E o terceiro: “Nossa, eles dão muito trabalho. Mas você vai amar”. 
     Bom, vou te dizer o que nunca dizem: Você vai amá-los e trata-los como família e eles te adorarão. Vão pular no seu colo, abanar o rabinho quando você chegar, te dar respeito se você merecer e muito carinho se você cuidar bem deles. Eles vão chorar quando você não estiver perto e latir para chamar sua atenção. Quando você estiver comendo, eles ficarão olhando com cara de dó para o seu prato até você dar um pedaço. Eles vão fazer xixi e cocô em lugares que não deveriam e a vontade vai ser de brigar muito com eles, mas você vai esquecer rapidinho quando se lembrar da cara e língua deles para fora da janela do carro quando você levar eles para passear. Se você tiver um dia ruim, eles vão perceber e irão tentar te agradar. Você será tudo para eles e daria tudo o que você pudesse para tê-los para sempre, mas essa é a questão, você não pode tê-los para sempre. E quando eles te deixarem você vai sentir uma dor terrível. Você vai reviver cada memória ao lado deles desejando que o tempo voltasse. E vai considerar nunca mais ter outro animal porque a dor de perdê-los é insuportável. Você vai ouvir o latido de alegria dela quando você chegar em casa mesmo sabendo que ela não está mais lá. Você vai ouvi-la arranhando a sua porta pedindo para entrar e dormir do seu lado. E o seu coração vai doer toda vez que esticar sua mão para acariciá-la e encontrar o tapete vazio. Você vai chorar, sofrer, e um pedaço de você irá embora. Todos os cantos da casa terão uma memória dela e você não vai conseguir tirar sua casinha do lugar. A saudade será muito dolorosa. E todas as noites, antes de dormir, eu vou me lembrar das suas patinhas pedindo para eu ficar e em seguida da caixinha que sustentou o seu corpo sem vida, com o nome “Susi <3”.


























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