Interfectrix
Não conseguia enxergar direito. O
ambiente estava escuro. Não, minha visão estava escura, o ambiente estava
claro. Um parque? Um jardim? Espera... era o quintal da minha casa! Estava sem
ar, meu coração estava acelerado. Conseguia ouvir minha respiração
entrecortada. O que aconteceu? Minha cabeça doía. Coloquei a mão no local de
dor e senti umidade, ao retirar a mão vi o sangue não tão vívido, como se já
estivesse prestes a secar. Quanto tempo eu fiquei ali? Por que eu estava ali?
Tinha mais sangue no chão. Minha visão já voltara ao normal e podia enxergar o caminho ensanguentado pela grama. Tentei me levantar e com um grito caí no chão segurando minha perna direita, só então vi a ferida. Meu pé estava torcido e meu osso da perna estava exposto. Como era o nome desse osso mesmo? Tíbia! Meu marido me ensinou os nomes de todos os ossos do corpo depois de eu tentar explicar um acidente que eu vi na rua e não conseguir deixar claro qual parte do corpo exatamente o moço tinha fraturado. Sam era médico, tinha me ensinado basicamente tudo que eu sei sobre primeiros socorros, contusões, fraturas. Sam... Onde estava meu marido?
Procurei algo perto de mim para utilizar como imobilizador na minha perna. Arrastei-me até os arbustos e procurei por galhos mais firmes e outros mais maleáveis para tentar fazer o mais próximo de um torniquete possível. Quando encontrei um galho maior tentei puxar e não tinha forças. Coloquei todas as minhas energias naquilo e ao conseguir arrancá-lo imagens minhas puxando algo das mãos de Sam vieram na minha mente. Estávamos na cozinha. O que eu puxei? Por que estávamos brigando? Eu e meu esposo estávamos passando por algumas dificuldades no nosso casamento, mas nunca brigamos assim. Talvez tivesse sido um sonho que meu subconsciente quis me lembrar.
Terminei de imobilizar a minha perna, mas obviamente seria impossível levantar ou andar. Pensei em gritar por ajuda, mas tive medo. Onde estavam os vizinhos? Ninguém viu ou ouviu nada? Sam havia escolhido um bairro quieto e com poucas casas para morar então tudo bem que não tenham ouvido nada antes, até porque eu nem sei o que aconteceu antes, mas eu tenho certeza que meu grito ao tentar levantar foi alto o suficiente para acordar a senhora Alice que morava na última casa da rua.
Olhei para o portão que separava o quintal da garagem, ele estava aberto. O caminho ensanguentado passava por ele então comecei a me arrastar para alcançá-lo. Ao me aproximar vi a marca de uma mão nele e tive outro flashback. Eu estava correndo e bati com a minha mão no portão o deixando para trás. Conferi para ver se alguém mais havia passado por ele e ao não ver ninguém, olhei para frente, então senti algo pesado batendo nas minhas pernas e caí com o impacto. As imagens paravam aí.
Procurei pelo perímetro algo que pudesse me fazer lembrar de mais detalhes. Aproximei-me do canteiro de flores e vi que um anão estava faltando da decoração. Será que fora isso que me atingiu na perna? Por que eu estava fugindo? De quem? E ainda mais importante, essa pessoa já tinha ido? Eu estava a salvo? Temi por mim, temi por meu marido, temi por Anne... Anne! Meu Deus, minha filha! Senti uma pontada no meu peito. A princípio pensei que era um infarto, mas ao perceber os outros sintomas vi que estava tendo um ataque de pânico. Tentei controlar minha respiração aos poucos, precisava me manter forte até encontrar minha família, ou até achar algum meio de pedir ajuda.
Julguei que era por volta das seis da tarde, pela maneira que o céu estava. As luzes da rua começavam a ascender uma a uma. Deitei de barriga para cima e novas imagens bombardearam minha mente. Eu estava com Anne deitada em cima de um pano que usamos para arrumar nosso piquenique. Sam não pôde chegar a tempo e me lembro de estar furiosa com isso. Era o aniversário da morte de Susie, nossa cachorra, e Anne tinha organizado aquele piquenique há meses. Minha filha tinha apenas sete anos e Susie esteve com ela durante seis. Aquilo poderia parecer bobo, mas para Anne era muito importante que sentássemos juntos e lembrássemos da nossa cachorrinha. Eu a apoiei. Quando crescemos paramos de nos importar, perdemos a inocência, então achei que seria bom preservá-la um pouco mais em Anne.
O sol estava quase se pondo e teria que me apressar para conseguir ajuda. Minha perna já estava completamente roxa e se ficasse mais escura que aquilo as chances de perdê-la eram altas.
Continuei me arrastando, passando pelo portão e chagando até a garagem. Tudo estava fora do lugar. A caixa de ferramentas estava caída no chão. Ao ver a porta do carro semiaberta me lembrei de tentar abri-la antes. Estava sem a chave, então peguei uma chave de fenda da caixa de ferramentas, com a pressa deixei que a caixa caísse. Fiquei segundos que pareceram décadas forçando a porta do carro e quando consegui quebrar a tranca um homem me apertou pelos braços e me jogou para o lado. Caí de joelhos e ao tentar virar de frente senti um objeto pesado atingindo minha cabeça. Ouvi Anne gritando o meu nome de dentro do carro e... o que mais? O que mais aconteceu? Gritei pela minha filha, bati na lataria do carro, talvez ela ainda estivesse lá dentro, mas não obtive resposta.
Então eu vi mais sangue na frente
da garagem, me aproximando vi os sapatos de alguém. Prendi a respiração, o medo
tremia meu corpo. Aproximei-me mais e reconheci a camisa azul-claro. Era Sam! E
então me lembrei de suas mãos me segurando, me batendo eu tentando escapar, era
tudo borrado ainda, mas começava a voltar devagar. Havia uma faca fincada em
seu peito e reconheci que era o objeto que eu tinha puxado de suas mãos na
cozinha. Nada daquilo fazia sentido, mas de alguma maneira, tudo indicava que eu
havia matado o meu marido.
Mas oq?
ResponderExcluirNão da vontade de parar de ler.