Capítulo 2 - A outra maçã
A sexta-feira já estava terminando e o tempo estava nublado. Provavelmente não iria chover, pelo menos não segundo os jornais, mas o humor era de dia chuvoso, o que era bom, porque em dias assim meu pai não ficava insistindo para eu sair de casa.
De sexta-feira à noite, meu pai e Clara saíam para jantar e é claro que eu não gostava nem um pouco de sair com eles. Se fosse somente com o meu pai, eu iria, mas Clara podia ser bem irritante quando começava a falar de como ela conheceu papai e perguntar sobre meus “namoradinhos”. Não estou querendo desmoralizá-la ou coisa parecida, sei que ela nunca teve filhos e talvez não soubesse como agir perto de mim ou Sarah, mas estava na hora de ela assistir alguns documentários sobre maternidade, pois não estava fácil para nenhum dos lados.
Terminei de digitalizar o trabalho de química no notebook em meu quarto. Ainda precisava estudar para a prova de literatura na segunda, procurei na minha mala o livro que eu estava lendo. Não encontrei. Comecei a tirar todas as roupas do lugar para encontrar o bendito livro. Nada. Como eu poderia esquecer o livro? Se eu não terminasse, ia me dar mal na prova. Eu até poderia pegar um bom resumo na internet e estudá-lo, mas não seria muito justo, além do mais, eu já tinha lido mais da metade dele mesmo.
Peguei minha bolsa e saí do quarto. Clara estava no escritório escrevendo emails. Papai estava na sala, assistindo um canal de esportes. Estava passando uma partida de tênis na televisão. Depois do futebol, tênis era seu esporte favorito.
─ Posso sair? – perguntei.
Meu pai nem desviou o olhar da tevê. Parecia bem interessado nos arremessos de tênis. Tão interessado que nem me ouviu.
─ Pai – falei um pouco mais alto – eu posso sair?
─ Shiiiu! Está quase acabando a partida.
─ Pai, é só dizer sim ou não.
Ele bufou e diminuiu o volume da tevê.
─ O que você quer fazer?
─ Preciso ir à biblioteca.
─ Por que você precisa ir à biblioteca numa sexta-feira à tarde? E outra, a biblioteca fecha às cinco.
─ Eu me esqueci de trazer um livro muito importante. Vou ter prova dele na segunda e não terminei de ler. Ainda tenho meia hora antes de a biblioteca fechar e ela fica a apenas 15 minutos daqui. Sem contar que ela não abre de sábado e domingo, o que diminui minhas opções. A não ser que você prefira que eu ligue para mamãe trazer.
─ Não! – meu pai falou imediatamente. Ele e mamãe tiveram uma separação considerada "amigável", porém não gostava de ter Clara e ela no mesmo local. Nem tanto por ele. Era mais por Clara, que ficava constrangida perto dela. Talvez seja pelo fato delas terem sido amigas quando adolescentes, ou por algum outro motivo que eu desconheço.
─ Tudo bem, vá buscar o livro, mas me ligue quando estiver voltando, pois parece que vai chover. Ele se voltou para a partida de tênis e aumentou a televisão.
─ Ok – respondi.
***
Antes de sair de casa peguei um cardigã. O mais próximo de uma blusa de frio que eu trouxera. Não que estivesse fazendo muito frio, mas o vento estava um pouco gelado. Olhei para o céu. Nenhuma previsão do tempo indicou chuva, porém eu estava começando a desconfiar que as previsões estivessem erradas.
A biblioteca ficava na rua de trás da praça principal da cidade. A praça era linda, cheia de Ipês roxos. Da janela da sala do meu pai, dava para vê-la. Algumas tardes de domingo, quando o sol já estava brando, eu ia para a praça, me sentava embaixo de um Ipê e escutava músicas, ou lia algum livro. Aquelas tardes eram as melhores.
Eram apenas quinze minutos de caminhada entre a casa de meu pai e a biblioteca. Quando cheguei, só tinham três pessoas lá dentro, incluindo o bibliotecário e o faxineiro. A biblioteca era relativamente grande. Não tinha ido a muitas bibliotecas em minha vida, mas aquela era sem dúvida uma das melhores que eu já tinha visitado. As prateleiras estavam ordenadas por gênero.
Estava na fileira dos romances internacionais quando escutei um trovão. "Droga!", pensei. Se antes eu tinha dúvidas, agora eu tinha certeza. Iria chover. Eu tinha mais dez minutos para pegar o livro antes de a biblioteca fechar. Daria tempo de voltar pra casa antes de começar a chuva, pensei. Pelo menos, era isso que parecia.
Encontrei o livro. O cliente que estava na biblioteca já tinha partido. Agora eram somente eu o faxineiro e o bibliotecário. O faxineiro já estava guardando seus panos e produtos em uma salinha. E o bibliotecário, um senhor de uns 50 anos que tinha um sorriso simpático no rosto, estava me aguardando para poder fechar o caixa.
O intervalo entre um trovão e outro havia diminuído. Pela porta da biblioteca dava para ver o céu, agora ainda mais escuro.
─ Será que vai chover? – o bibliotecário brincou com um tom de ironia na voz.
─ Pois é... – eu ri.
Aluguei o livro e o coloquei na bolsa.
Antes de voltar, mandei uma mensagem para meu pai: "Estou saindo daqui. Em 15 minutos estou em casa". Despedi-me do bibliotecário, e caminhei em direção à saída.
Então, lá estava eu. Livro na bolsa. All Star branco. Shorts jeans. Regata branca. Cardigã rosa. Cabelos soltos com o lado esquerdo atrás da orelha.
Minha vida teria continuado a mesma, mas quando eu coloquei meus pés para fora da biblioteca, as gotas começaram a cair.
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