A cruz na estrada - Castro Alves (breve análise)

Proposta para exercício de análise para fins acadêmicos. 


A CRUZ DA ESTRADA - CASTRO ALVES 

Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.


Análise:

“A cruz da estrada” de Castro Alves (“Poeta dos escravos”) é um poema da terceira geração romântica. Castro Alves escreveu visando à justiça social ou em favor dos negros que eram arrancados do continente africano para ser transformados em escravos pela ambição e ganância capitalista, portanto, saber quem escreveu já dá um norte do que o poema será tratado. Antes do poema têm-se duas epígrafes. A primeira é de Lutero e está em latim, pode ser traduzida por “Eu invejo o resto”; “Eu invejo o que restou”; ou ainda “Eu invejo porque repouso”. A segunda é de Herculano “Tu que passas, descobre-te. Ali dorme/ O forte que morreu”. As duas epígrafes trazem a questão de repouso, morte e a segunda também fala sobre passagem, dando direção ao tema do poema. Ao analisar o título “A cruz da estrada”, confirma-se o tema das epígrafes já que cruzes postas nas beiras das estradas são símbolos tributos à morte de alguém, infere-se, pela segunda epígrafe que esse alguém foi forte. 

O poema é composto por sete estrofes de quatro versos cada, sendo cada verso decassílabo heroico. A escolha do verso heroico também pode fazer alusão ao “forte” da segunda epigrafe. O poema inteiro usa muito das consoantes oclusivas e das fricativas, principalmente dos fonemas /z/ e /s/, o que deve ser considerado já que é o “som” que o vento faz ao passar veloz de um caminhão na estrada, ou até mesmo o som de preces feitas após a morte de alguém, ou ainda do som que o caminhão faz quando precisar soltar o ar do motor, ou ainda o som que pássaros e insetos fazem em um jardim, ou paraíso. Na última estrofe há uma intensidade de emoção dado pelos pontos de exclamação presentes no verso, para a ênfase de que o sono do escravo tinha acabado de começar. 

Na primeira e na segunda estrofe o autor pede ao caminhoneiro que estava seguindo para o sertão, para que deixe a cruz na beira da estrada em paz, já que era muito comum que os caminhoneiros quando vissem o símbolo jogassem um ramo de alecrim sobre ele, mas o autor questiona o ato, já que jogar o ramo cheiroso aos braços da cruz, faz com que o bando inquieto das borboletas se afaste. 

Na quarta estrofe o autor revela que o local da cruz marca onde está enterrado um escravo, que teve uma vida de longo sofrimento, sem descanso (“velar de insônia atroz”), portanto o pedido é para que não lhe incomodem o sono finalmente obtido no leito que o Senhor (Castro Alves cria em Deus então era muito comum referências religiosas em seus poemas) preparou para ele em meio a selva, pois o leito para ele representa o fim desse sofrer. 

Os três versos seguintes mostram que o escravo não precisa daquele ato humano (o jogar dos ramos), pois é acolhido pela natureza. O gaturamo, que é um tipo de pássaro, geme, lamenta por ele. Essa espécie de pássaro também é conhecida por ser imitadora de outros cantos. Um único macho pode se manifestar em poucos minutos na voz de até 16 espécies de aves diferentes. São imitações perfeitas traduzidas para sua própria força vocal reduzida. Também pode ser inferido que seu gemido seja uma imitação do que o escravo gemeu em vida. A outra ave apresentada na mesma estrofe é a Juriti, conhecida por seu canto melancólico e repetitivo, por isso “soluçando a solidão”, seu canto é tão depressivo que faz com que se lembre da solidão que sentia. No verso seguinte a parasita se prende num abraço de flores dentre a cruz, ou seja não o abandona. A grama chora orvalhos por ele e o vaga-lume ilumina sua sepultura como se fosse uma vela. Infere-se que ele viveu sozinho, com pessoas que o desprezavam, que não se importavam, portanto querer afagá-lo após a morte é um ato hipócrita. Mesmo tendo símbolos melancólicos, a natureza já o acolhe e dá a ele tudo o que não recebeu em vida. 

Na última estrofe o autor direciona totalmente sua fala ao caminhoneiro enfatizando que o sono do escravo tinha apenas começado através dos pontos de exclamação. Não se deve tocar no leito de noivado do escravo, e noivado infere-se ao detalhe de que na bíblia, a “igreja” que seria cada pessoa é a noiva e o Senhor Jesus é o noivo; já que foi o próprio Senhor que preparou o leito, é possível fazer tal inferência e também por conhecer o autor do poema que era religioso. Por fim, ele termina mostrando que a liberdade só encontrou o escravo há pouco, portanto o poema representa uma época da história brasileira em que a liberdade dos escravos era conquistada apenas com a morte. Por ter sofrido e lutado tanto em sua vida, o escravo é relacionado ao “forte que morreu” da segunda epígrafe e os versos heroicos são como uma homenagem o escravo que se libertou em seu túmulo.


Comentários

  1. Análise literária feita em profundidade, muito boa! O único senão é que o analista se refere todo o tempo ao "caminhoneiro", mas o poeta fala com o "caminheiro", que é quem anda a pé e não de caminhão. Salvo melhor juízo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tem razão. Na época de Castro Alves, existia Caminhoneiro???

      Excluir
  2. Apesar de melancólico,um lindo poema! já tive o prazer de recitá-lo várias vezes à beira do túmulo de parentes na hora do sepultamento.Toca bastante!

    ResponderExcluir
  3. A noiva que acaba de ser desposada, na realidade se chama liberdade,e não Jesus...

    ResponderExcluir
  4. Alguém pode me ajudar nessas perguntas

    Leia novamente o texto I, A cruz da estrada, e responda: que elemento é novidade na terceira geração da poesia romântica? *

    A)Presença de subjetividade
    B)Alto teor descritivo
    C)Alusão ao negro escravizado
    Referência à natureza
    O poema "A cruz da estrada" é um bom exemplo de por que a terceira geração da poesia romântica é chamada de poesia social. Essa afirmação é verdadeira, pois o poeta *

    A)descreve ricamente a paisagem na qual encontra-se a sepultura do escravizado.
    B)denuncia, ainda que de forma sutil, o sofrimento causado pela escravidão.
    apela para a religião como um meio de salvar a sociedade.
    C)escreve sobre as angústias causadas por um amor não consolidado.
    Dado o personagem principal do poema I e a temática nele desenvolvida, pode-se dizer que a geração condoreira estava em consonância com os ideais: *
    A)Patrióticos
    B)burgueses
    C)Escravagistas
    D)Abolicionistas
    No texto II, Beijo eterno, nota-se a presença de um amor:
    A)Sensual e concretizado
    B)Superficial e angustiante
    C)Angelical e carnal
    D)Idealizado e sagrado

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Leito de Folhas Verdes - Gonçalves Dias (breve análise)

Gramaticalmente incorreto