A outra maçã: Prólogo
Desde pequena, escutei sobre o amor. O amor de pai e mãe, o amor de amigos, o amor de Deus, o amor de namorados e tantos outros amores. Porém quando se é pequena, é muito difícil entender a profundidade do amor. Como também é muito difícil não ser curiosa, eu enchia a cabeça da minha mãe com perguntas sobre esse assunto que sempre me cativou.
Uma vez, eu estava gostando de um menino. E me perguntava se deveria falar para ele. No entanto, depois da separação traumatizante dos pais de Lucas, a criança mais estranha da sala, meu maior medo era gostar de alguém para sofrer depois. Então, enquanto minha mãe varria o chão da sala, perguntei:
─ Mãe, como vou saber que a pessoa que eu gosto é a pessoa certa para mim?
Depois de rir, minha mãe veio com uma explicação bem mixuruca e barata, dizendo:
─ Filha, é como se você fosse metade de uma maçã e a outra pessoa, outra metade. Quando você encontrar a pessoa certa, você vai se sentir completa.
A partir daquele momento, todos no mundo pareciam falar a mesma coisa: Metade da maçã, tampa da panela, metade da laranja, entre outras combinações. Porém, todas elas, davam sentido de complemento. Ou seja, você não é inteiro, a menos que encontre seu par. A vida parecia ser muito monótona pensando dessa maneira. As pessoas viveriam suas vidas de forma incompleta, até que algum dia, em algum lugar, elas encontrariam alguém que pudesse tirá-las da monotonia.
Quando eu tinha seis anos de idade, fui visitar tia Silvia. Ela era a irmã mais velha de papai e já tinha 42 anos. Nunca se casou, nunca teve filhos, nem mesmo cachorros, porém era a pessoa mais bem-humorada que eu conhecia. Depois da minha casa, a casa da tia Silvia era o melhor lugar para se estar.
Minha tia não tinha sua outra metade, e era uma pessoa completa. Será que a regra da maçã não era absoluta? Será que existiam outras exceções além da minha tia?
Uma vez perguntei sobre a tia Silvia para papai. O fato de ela viver sozinha e tão feliz me intrigava muito. Papai disse que quando adolescente tia Silvia namorou bastante, até encontrar um rapaz chamado Augusto. Os dois namoraram escondidos por muito tempo. Ele era o amor da vida dela. Porém meus avós nunca deixaram eles se casarem porque Augusto era de uma família humilde, e tia Silvia era filha da família mais rica da cidade. Eles tentaram fugir juntos, mas no meio do caminho Augusto decidiu terminar tudo com tia Silvia, com a explicação de que nunca poderia sustentar os dois. Ela ficou desolada, voltou para casa e nunca pensou em se casar de novo. Senti-me mal por tia Silvia. Ela não ficou com seu grande amor.
Saber essa história me deixou ainda mais intrigada. Por sofrer tal decepção, ela não deveria ser ranzinza e triste? Mas não. Tia Silvia era totalmente o oposto. Na minha cabeça, o amor definia as pessoas, e de fato, define. No entanto, eu tinha me esquecido de que havia mais de um tipo de amor.
A história da minha tia me ensinou uma lição. Ser a metade de outra pessoa era balela. Pois se por algum acaso, você não encontre sua metade, ela vai encontrar a metade de outra pessoa, e por ser sua metade, ela não vai se encaixar com a metade encontrada. E a metade que foi encontrada pela sua metade, deixaria uma outra metade sozinha. Isso causaria uma cadeia de metades incompatíveis que acabaram dando certo e que deixaram outras metades infelizes.
Ter essas teorias quando se é criança, é fácil. Por ser criança, nunca estamos sozinhos e nem temos medo de ficar. Os pais sempre cuidam de nossas necessidades, não temos que nos preocupar, não precisamos ser independentes. Mas quando começamos a crescer, sentimos o peso da responsabilidade, temos que aprender a viver nossas próprias vidas, a sermos independentes, pensar por nós mesmos.
Certo dia, papai e mamãe nos chamaram para conversar. Eu já estava com 15 anos e Sarah, minha irmã, com seis anos. Como era véspera de natal, achamos que a conversa iria ser sobre onde faríamos nossa viagem, porém não iríamos viajar juntos naquele ano, nem nos anos seguintes. Meus pais estavam se separando.
Eu fui a primeira a levantar da mesa. Não disse uma palavra. Não voltei à mesa quando meu pai gritou para que assim eu o fizesse. Simplesmente caminhei até meu quarto, tranquei a porta e comecei a chorar. Tentei com todas as minhas forças controlar meu choro, porém comecei a ouvir os soluços de Sarah, então meus esforços foram nulos. Eu sabia que iria sair ferida dessa história, mas ver a minha irmã ferida, era ainda pior.
Meus pais não deram um motivo. Não houve nenhuma explicação. Assim, sem mais nem menos, depois de 17 anos de casados, eles estavam se divorciando. Sempre tive medo de ser como os pais de Lucas, agora tinha medo de ser como os meus.
Certo dia, depois de um ano da separação, Sarah me perguntou:
─ Carol, como eu vou saber se a pessoa que eu gosto é a pessoa certa para mim?
Aquilo me pegou de surpresa. Naquele momento lembrei-me de quanto eu fizera a mesma pergunta para minha mãe e tinha quase a mesma idade que Sarah. O que me fez levantar aquela questão foi a separação dos pais de Lucas. Aquele acontecimento mudou totalmente o menino. Fez com que ele se isolasse de todos e entrasse no seu novo mundo de melancolia. Lucas era apenas um ano mais novo que Sarah quando tudo aquilo aconteceu. Ela não ficou como ele, mas é claro que isso a afetou.
Quando minha mãe respondeu aquela pergunta a mim, ela ainda estava casada com meu pai. Agora a situação era totalmente diferente. Responder com as mesmas palavras com que ela me respondeu não parecia certo e realmente não é certo. Se éramos metades de maçãs, já estaríamos oxidadas pela vida. E se antes meus pais eram metades que se encaixavam perfeitamente, por que se separam?
Não queria causar mais transtornos para aquela cabecinha. Não queria fazer com que Sarah tentasse criar teorias para aquela resposta fajuta, assim como eu tentei. E certamente não queria acabar com sua esperanças dizendo que não existe "a pessoa certa", como se para cada um foi feito um outro que se encaixa perfeitamente. Talvez não houvesse uma razão. Talvez não houvesse uma explicação. As pessoas simplesmente se gostavam, ficavam juntas e se separavam para gostar de outras e continuar o ciclo. Um ciclo do qual eu não queria fazer parte, não assim. E não queria que Sarah fizesse também.
Sorri para aqueles olhinhos cor de mel, Sarah retribuiu o sorriso. Então, finalmente eu respondi:
─ Isso é uma coisa que teremos que descobrir juntas, irmã.
Isabela Serrano
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